quarta-feira, 1 de julho de 2009

Considerações sobre trabalho,Trabalhadores,"Operário em CONSTRUÇÃO"



Desenho de Lacerda/Juiz de Fora,Mg/Brasil


Originalmente , em "CLEVANE DE ASAS"(http://br.geocities.com/clevanedeasas/operarioemconstrucao.htm)




Considerações sobre trabalho,Trabalhadores,"Operário em CONSTRUÇÃO"


Clevane Pessoa de Araújo Lopes


O editor Douglas Lara enviou-me, em 2006,no seu boletim virtual "Últimas Notícias Acontece em Sorocaba", link sobre Direito do Trabalho, pois há poucos dias celebráramos trabalhador e trabalho, operário e obra, criador e criatura... Dessas relações espiraladas, intrinsecamente ligadas, interdependentes, nasce o cidadão que faz. E do qual dependemos. E que não podemos esquecer. E que somos também, de uma forma ou de outra. Em nosso país, já não existem os milionários de família, a viver de rendas. Bem que eu queria viver de rendas para ter mais tempo, pintar, escrever...
Os tempos são outros.

Eis o link: "As origens do Direito do Trabalho: No último dia 1º comemorou-se o Dia do Trabalho, tornando-se oportunas algumas considerações acerca da origem do... Continua

http://www.jcsol.com.br/2006/05/05/05A204.php\"

Eu, Clevane, penso que Advogados, legisladores, policiais e quaisquer pessoas que possam estar com o Outro, defendê-lo das exorbitantes, precárias, duvidosas, inter-relações empregador/ empregado(poucos são os justos,nesse campo: maquiam as arbitrariedades com benefícios, massagens, prêmios, clubes, pontuações...

Onde andará a genuína preocupação(pré-ocupação)?

Os Advogados,os juízes,os legisladores, os políticos devem ter sempre em mente os Direitos Humanos. Do empregado. Do empregador, também. Já é mais que hora de cessarem os abusos. Os donos dos poderes, também.

Nas relações acadêmicas, entre corpo docente e discente, o meio político, no meio social, no meio de trabalho, principalmente, é preciso formar o \"CORPO DECENTE\". Isso perpassa pelo respeito, consideração, reconhecimento das interdependências.

Chega de ludibriar o trabalhador. De assinar carteira e pagar outra quantia, sempre a menor-pois o outro aceita para comer. Para vestir-se. Viver.

Chega de contratar menores quando a Lei o proíbe: quando é que os estudos de um jovem serão importantes para esse país? De verdade? Todavia,o conceito mais ouvido por mim,que atendi em Posto de Saúde Pública, no antigo INAMPS e depois no Hospital Júlia Kubtscheck (em Belo Horizonte,MG), onde coordenei a Casa da Criança e do Adolescente, dos pais,era: meu filho precisa trabalhar, para aprender a ser gente...para ajudar em casa...para não ficar na rua...para não usar drogas...não ser vagabundo...

Poucos pais pobres, pensam no estudo como um bem realmente necessário. Estuda-se para crescer socialmente , para ganhar mais dinheiro. Não se considera o Saber como algo que ninguém pode roubar... E assim,trabalham as crianças. As crianças carvoeiras. As crianças malabaristas nos sinais (não se iludam: não estão brincando. Não estão ali para irritar ou distrair você: estão trabalhando, operários lúdicos, que precisam levar para casa as parcas moedas ganhas) ... Tenho a foto de uma criança usada, pelo peso leve, para subir em mastros altos de barcos e amarrar velas ou algo similar. Lá, das alturas, o vento cortando-lhes o rosto e o sol amorenando e crestando-lhes as carinhas precocemente enrugadas, o sal ardendo nos olhos, o coraçãozinho a bater qual o de passarinhos que não podem fugir, eles vêem um horizonte que não terão, largo demais para ser verdade.

A poetisa Hila Godinho, na revista Estalo número quatro, escreveu sobre o chamado "Menino do Couro", que antigamente desciam amarrados, nas estreitas minas verticais:


"Menino do Couro"
Hila Godinho

"Posso ouvir seu choro
pequeno
no silêncio total desse cofre,
um século e mais depois.

Menino de couro
posso sentir seu medo
no ar quente desse buraco
que agora enche de calafrios
minha alma.

Menino do couro,
posso notar seu pavor de descer acorrentado
e só
e não subir
de volta ao ar
acompanhado de seu peso em ouro.

Menino do couro
posso imaginar o açoite,
sentir o cheiro do sangue
e a dor da ferida,da justiça senhora
e da humilhação,
da cabeça da criança violentada e sem defesa.

E só agora,
a partir de agora
posso lhe dar meu colo, tardio de mãe,
minha voz solitária,
e essa lágrima quente
enterrada há mais de um século
no aperto inexplicável
desse coração
de cor vermelha.

Belo Horizonte, hilagodinho@ig.com.br

Essa fala, brotada de meu imo, de minha experiência com comunidades carentes, desperta o meu lado poeta. E imediatamente, vêm-me à cabeça dois grandes poemas: Construção, que Chico escreveu - e aí é perfeita a relação entre criador e criatura-e canta, e \"Operário em Construção,de Vinicius.

Não posso furtar-me a transcrevê-las.Se não puder ler tudo, copie e leia em vários momentos. Saboreie. Introjete. Decore. Repasse. Imprescindíveis!

Em !\"Construção\", Chico Buarque faz a inovação de terminar cada um de versos de ritmo marcante, com um proparoxítono-e mais, repete a estrofe toda, trocando entre si, esses vocábulos, qual as cores de um cubo mágico.

E mais estrofe três vezes, número cabalístico e poderoso.

Tudo para que a mensagem principal do contexto, aponte vertiginosa para a destin/ação do homem trabalhador, num trabalho maravilhosos do qual poucos se dão conta. Aconteça o que acontecer na ação verbal implícita nos adjetivos e substantivos proparoxítonos, o homem sempre morrerá. Como se fosse isso ou aquilo, embora, age. Mas morrerá qual um objeto que atrapalha.

O conceito de destino, destinação, fado, sina, fica a gritar, rasgante. Parecesse ele tímido ou bêbado, príncipe ou pássaro, máquina ou mágico, terá de cumprir essa particular e também generalizada signa. Lúgubre. Vida sinóptica, que não logrará avatares, estares, descansares. Sem proteção, o operário morre. No entanto, se espera, em Direitos Humanos, de forma redundante, que seus Direitos de pessoa sejam lídimos...




CONSTRUÇÃO - CHICO BUARQUE

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado


E agora, esse poema-espanto de Vinicius de Moraes, que todas as pessoas deveriam ler para se lembrar de que, não fossem os obreiros, o que poderíamos ter? Apenas o também fazer, para viver, renovar, inventar...

Quando se diz, popularmente, que fulano "é um Cristo", muito mais que a figura, afigura-se um ser capaz de ser tentado e ainda assim,permanecer na sua força pessoal,movido por motivações internas inalcançáveis para os donos do poder. Mas que são, estes, bem capazes de usurpar direitos, enganar, aproveitar-se da necessidade do outro. No ritmo da menos valia, cruz a que o prega a diferença social, o operário tem a grande motivação de todas as pessoas: a fome deve ser "matada". Morta, nos filhos e em si, na companheira que ao lado dorme, provedor , do mais ao menos humilde , sentir-se-á cumpridor de sua sina simples, simplificada ao extremo: quer pão, não pode comer tijolo, nem cimento. Esses elementos são seus objetos de trabalho, são os sub-objetivos do patrão: a construção maior. Enquanto isso, o homem se argamassa: é o "operário em construção"...


Operário em Construção

Vinícius de Moraes


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento.

Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
não fosse eventualmente
Um operário em construção
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamentos
Não sabeis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção.
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro desta compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração.
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia \"sim\"
Começou a dizer \"não\"
E aprendeu a notar as coisas
A que não dava atenção
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era a amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário se fez forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- \"Convençam-no\" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.

Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que foi levado
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo este poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-a a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia.
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca da sua mão.
E o operário disse: não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não pode me dar o é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Um esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um pobre e esquecido
Razão que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

O conceito de "operário" é de tal forma amplo, que predispõe-se, de per si, a numerosas discussões; um artista é um operário? Ele que sua, nos ensaios, que se prepara, estuda, forma-se, é operário? O vocábulo vem do Latim "operariu". As definições de dicionários especificam: "Artífice; aquele que trabalha em uma arte ou ofício". Poeta é operário da beleza. Ator, artista plástico, dançarino, pintor, artesão...

A prostituta não é a famosa "operária do amor" Não do Amor, mas do sexo. Por isso, rotuladas de mariposas, trabalhadoras da noite. Mas também trabalham nas noites longas,os enfermeiros, os médicos, os porteiros, os vigilantes, os DJs, os radialistas... Os funcionários das farmácias de plantão...

Somos todos operários. Operamos, operacionamos. Criamos. O grande Criador, o primevo Operário. Até o ócio, pode ser criativo, para os que lidam com o imaginário, com a inspiração...

Somos todos operários.

Ou não? Por que não?...



Clevane Pessoa de Araújo Lopes , em Belo Horizonte, MG, Br, às 22:04 de 05/05/06, véspera do aniversário de meu pai,
Lourival Pessoa da Silva, que completa 87 anos de idade... (*)
Ele,um trabalhador da honestidade, seu legado maior á família.

(*) falecido em 16/06/2008

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